
Waldemar (1992)




TEXTO ENCARTE
Waldemar Henrique passeia pela nossa vida desde cedo. Pra quem nasce e cresce abençoando a sombra das seculares mangueiras belenenses, a presença do Maestro está potencialmente em todos os lugares. Porque o ambiente de sua música é ali.
Ali ele pulsa, respira com os uirapurus, tamba-tajás, curupiras, botos e tantos outros personagens do universo amazônico. E ali iniciou sua aventura pelo mundo.
Por isso fazer este disco tem duas intenções: é uma forma de cantar um compositor fiel às raízes populares e senhor de uma obra reconhecida no mundo inteiro, mas também é um ofício amoroso de esmiuçar sua música e reviver o mágico do ambiente que nos é tão familiar. Concebemos o trabalho partindo do nosso sotaque musical, já bem conhecido da gente do norte devido a boa acolhida do nosso disco anterior, mas com preocupação de fidelidade à estrutura das composições. A arte, porque opera no afetivo humano, tem esta vantagem de moldar-se aos espíritos do homem, do tempo, do instante e dar-se a conhecer de muitas formas.
O disco registra a forma como a captamos e como nossa emoção foi fotografada. No mais é pedir a benção ao Maestro e ao curupira que deixa o caboclo passar.
Nilson Chaves e Vital Lima
Se lembra Maestro quando toquei a campainha emocionado em conhecê-lo pessoalmente? Maestro cavalheiro, me recebeu com ternura e deixou que eu viajasse em suas lembranças, de tantas estórias musicais, de seu convívio com Villa-Lobos, Radamés, Oswaldo de Andrade.
Falamos tanto de Paschoal Carlos Magno, com quem também convivi, que quase esqueci o motivo da visita.
Quando lhe pedi que escrevesse no disco Amazônia, do Nilson, que lisonja ouvir em tom de confidência, "se tivesse 50 anos a menos estaria no meio de vocês na labuta com a Outros Brasis".
Já estava Maestro, a emoção não reconhece essa necessidade de contagem do tempo. Outros encontros, o mensageiro, suas cartas, alguns telefonemas - que carinho com nossos sonhos.
O projeto estava pronto, além de ter Waldemar Henrique com sua obra dentro de nós, o teríamos também de mãos dadas, unanimidade dos companheiros.
Novamente a campainha e desta vez a emoção de ouvir, também em tom de confidência, "sempre quis ouvir o que fiz numa linguagem moderna".
Nossos olhos brilharam e a cumplicidade estava selada.
Obrigado Maestro pela honra..
A contagem do tempo é mera coadjuvante desse espetáculo de sonhar.
Obrigado Waldemar por se juntar a nós nessa lida.
Marcos Quinan
A força da música de Waldemar Henrique pode ser comprovada no momento em que Nilson Chaves e Vital Lima tomam sua obra e encontram novos caminhos, novas sonoridades, novos ângulos.
Waldemar Henrique é um compositor pop completo. Ele pegou a essência do som regional, as imagens, as palavras, o sentimentalismo da alma porosa e úmida do nortista e adicionou seus conhecimentos técnicos, colocando seu talento nesta combinação única a dar ao resultado o sucesso eterno.
Waldemar é cantado. É domínio público. Essa a maior glória de um compositor que experimentou as diferentes fases do êxito na sua terra, no sul do país, por onde andou colhendo elogios. Ele é impecável. Gravar suas músicas é o sonho de todos os artistas paraenses. Realizar este disco é uma decorrência do altíssimo padrão estético da Outros Brasis. Na verdade, uma celebração.
Vamos celebrar.
Edyr Augusto Proença
Waldemar Henrique é antes de tudo uma poderosa voz. Aquela que lembra a terra, os cantos da terra, a memória da Amazônia. Sua obra tem a vocação da fertilidade como se fosse irmã gêmea das florestas do Pará. Exuberante, surpreendente e ao mesmo tempo singela, discreta, sem subterfúgios.
As canções passeiam pelos rios, pelas matas, através das lendas e mitos do povo. Mas nunca se afastam de um sentimento universal de amor, de sensualidade, de paixão.
O prazer e a alegria que senti, em 1965, transcrevendo esta música tão fecunda para o violão, tenho certeza, serão os mesmos dos artistas, produtores deste disco e do público em geral.
Turíbio Santos
Supondo que fossemos mapear musicalmente o Brasil, identificando-o por capitanias de ritmos, cores e cheiros: eu não teria a menor dúvida de apontar quatro arquitetos sonoros que conseguiram decodificar a nossa identidade cafuza e pluri, traduzindo-a com sonoridades raras.
Falo de Dorival Caimy, Luiz Gonzaga, Capiba e desse genial paraense Waldemar Henrique, que a mais de 30 anos frequenta minha casa-coração.
Seria um equívoco imperdoável confina-los a conceituação simplista de meros compositores regionais.
Nosso Waldemar Henrique traz o universalismo em sua música, algo que transcende os limites geográficos de sua Amazônia cheia de lendas e fetiches.
Desconfio, às vezes, que ele é o boto encantado da grande lenda brasileira, nação intraduzível, com seus territórios de ritmos, cores e cheiros.
Hermínio Bello de Carvalho
Considero a presente gravação de minhas composições pelos admiráveis e já consagrados conterrâneos Nilson Chaves e Vital Lima, ora lançada pela Outros Brasis, não apenas mais um marcante acontecimento artístico, como, também, a reafirmação do talento desses dois expressivos valores da música popular brasileira. Basta ouvi-los no desempenho de Boi-Bumbá, Uirapurú, Foi Boto, Sinhá! e outras peças - algumas escritas há mais de cinquenta anos-para se aquilatar sem esforço, o quanto essas composições se valorizaram com a personalidade artística de cada um.
Isso demonstra, para minha alegria, que valeu a pena viver todos esses anos para constatar a permanência e a aceitação desse repertório que também representa a magia dos meus oitenta e sete anos de existência.
Waldemar Henrique
FICHA TÉCNICA
Técnico e Engenheiro de Som: Mário "Leco" Possollo
Mixagem: Mário "Leco" Possollo Masterização: Sérgio Murilo e Zé Nogueira
Produção Musical: Nilson Chaves
Assistente de Produção: Fernando Carvalho
Produção Executiva: Nilson Chaves, Roseli Naves, Marcos Quinan
Capa: Marcos Quinan
Arte Final: José Antônio Oliveira
Fotografia: Edinaldo Silva
Arranjos: Nilson Chaves, Vital Lima, Fernando Carvalho, Fernando Merlino
Assistente de Estúdio: José Augusto
Direção de Clima: Fernando Carvalho
Produção Geral: Roseli Naves e Marcos Quinan
Produtor Fonográfico: OUTROS BRASIS.
Gravado no Synth Som e Imagem Ltda (RJ) - 24 canais em Sistema Digital, Masterizado no Estúdio Pró Máster em Sistema Digital - Fevereiro e Março de 1992.
Agradecimentos Especiais: Sebastião Godinho e Joãozinho Gomes,pelo carinho e dedicação na pesquisa e colaboração deste trabalho. A tela da capa, retratando o Maestro Waldemar Henrique em sua juventude, é de um pintor gaúcho, contemporâneo do Maestro no Rio de Janeiro em 1939, cujo nome está perdido no tempo.
FAIXAS
LADO A
Abá-Logum/Abaluaiê/No Jardim De Oeira/Sem Seu
(Waldemar Henrique)
Amanquê ojarê Abá-Logum ia coroa onirê
Abá-Logum ia coroa onirê
Abá-Logum ia coroa onirê
Abá-Logum ia coroa aiô
Ia manquera, ia manquerea
Ia manquera, undá
Abá-Logum ia coroa aiô
Boi-Bumbá
(Waldemar Henrique)
Ele não sabe que seu dia é hoje
Ele não sabe que seu dia é hoje
Ele não sabe que seu dia é hoje
Ele não sabe que seu dia é hoje
O céu forrado de veludo azul-marinho
Venho ver devagarinho
Onde o Boi ia dançar
Ele pediu pra não fazer muito ruído
Que o Santinho distraído
Foi dormir sem celebrar
E vem de longe o eco surdo do bumbá
Sambando
A noite inteira encurralado
Batucando
E vem de longe o eco surdo do bumbá
Sambando
A noite inteira encurralado
Batucando
Bumba meu Pai do Campo
Bumba meu boi bumbá
Tamba Tajá
(Waldemar Henrique)
Ele não sabe que seu dia é hoje
Ele não sabe que seu dia é hoje
Ele não sabe que seu dia é hoje
Ele não sabe que seu dia é hoje
O céu forrado de veludo azul-marinho
Venho ver devagarinho
Onde o Boi ia dançar
Ele pediu pra não fazer muito ruído
Que o Santinho distraído
Foi dormir sem celebrar
E vem de longe o eco surdo do bumbá
Sambando
A noite inteira encurralado
Batucando
E vem de longe o eco surdo do bumbá
Sambando
A noite inteira encurralado
Batucando
Bumba meu Pai do Campo
Bumba meu boi bumbá
Adeus
(Waldemar Henrique)
Adeus, amor adeus
Choro ao te deixar
Olhos que me vistes ir
Não me vereis voltar...
Adeus, amor adeus
Canto ao te deixar
Saibas coração sofrer
Como soubeste amar
Uirapurú
(Waldemar Henrique)
Certa vez de montaria
Eu descia um Paraná
O caboclo que remava
Não parava de falar, ah, ah
Não parava de falar, ah, ah
Que caboclo falador
Me contou do lobisomi
Da mãe-d'água, do tajá
Disse jurutaí
Que se ri pro luar, ah, ah
Que se ri pro luar, ah, ah
Que caboclo falador!
Que mangava de visagem
Que matou surucucú
E jurou com pavulagem
Que pegou uirapuru, ah, ah
Que caboclo tentadô
Caboclinho, meu amor
Arranja um pra mim
Ando roxo pra pegar
Unzinho assim
O diabo foi-se embora
Não quis me dar
Vou juntar meu dinheirinho
Pra poder comprar
Mas no dia que eu comprar
O caboclo vai sofrer
Eu vou desassossegar
O seu bem querer, ah, ah
Ora deixa ele pra lá
LADO B
Hei de morrer cantando
(Waldemar Henrique)
Oh! Dan dan
Oh! Dan dan
Eu hei de morrê cantando
Agarrado no meu cotcho
Quando me vires chorando, menina
É meu amor que vai s'imbora
Cajueiro já deu flor
Toda a mata s'enfeitou
É meu bem que vai chegar
É meu bem que já chegou
Oh! Dan dan
Oh! Dan dan
Eu hei de morrê cantando
Agarrado no meu cotcho
Oh! Dan dan
Oh! Dan dan
Coco Peneruê
(Waldemar Henrique)
Olha'o coco peneruê
Olha'o coco peneruá
'Sta nega é o coco de stambiro biro biro
Sta nega é o coco do stambiro biro á
Olha'o coco peneruê
Olha'o coco peneruá
Olha'o coco peneruê
Sacode o coco e olha o coco peneruá
Roda volante puxa avante manivela
Meu mano carrega nela e bota o azeite
No mancá
Tenho uma faca, uma pistola, uma riuna
Quando o cabra se arripuna
Bole em baixo o tiro pá!!!
Olha'o coco peneruê
Olha'o coco peneruá
Olha'o coco peneruê
Sacode o coco e olha o coco peneruá
Coco peneruê
Coco penuruá
Foi boto, Sinhá
(Waldemar Henrique)
Tajá-panema chorou no terreiro
Tajá-panema chorou no terreiro
E a virgem morena fugiu pro costeiro
Foi boto, sinhá
Foi boto, sinhô
Que veio tentá
E a moça levou
E o tal dancará
Aquele doutô
Foi boto, sinhá
Foi boto, sinhô
Tajá-panema se pôs a chorar
Tajá-panema se pôs a chorar
Quem tem filha moça é bom vigiá!
Tajá-panema se pôs a chorar
Tajá-panema se pôs a chorar
Quem tem filha moça é bom vigiá!
O boto não dorme
No fundo do rio
Seu dom é enorme
Quem quer que o viu
Que diga, que informe
Se lhe resistiu
O boto não dorme
No fundo do rio...
Manha-nungara
(Waldemar Henrique)
Do alto palmar d'uma juçara
Vem o triste piar da iumara
Os tajás pelos terreiro estão chorando
E no rio, resfolegando
O boto-branco boiou
Sentada na rede, cunha está rezando
A reza que Manha-Nungara ensinou...
Tupã, quem foi que me enfeitiçou?
- Manha-Nungara!
O grito rolou pela caiçara
Mãe-Velha se espantou
Embaixo, na treva do rio
Dois corpos em cio
Lutando, enxergou...
E pelo barranco
De novo soou
O grito de angústia
Que a cria soltou:
-Manha-Nungara!
Curupira
(Waldemar Henrique)
Do alto palmar d'uma juçara
Vem o triste piar da iumara
Os tajás pelos terreiro estão chorando
E no rio, resfolegando
O boto-branco boiou
Sentada na rede, cunha está rezando
A reza que Manha-Nungara ensinou...
Tupã, quem foi que me enfeitiçou?
- Manha-Nungara!
O grito rolou pela caiçara
Mãe-Velha se espantou
Embaixo, na treva do rio
Dois corpos em cio
Lutando, enxergou...
E pelo barranco
De novo soou
O grito de angústia
Que a cria soltou:
-Manha-Nungara!